Profissionais negros no mercado do vinho

Donae Burston entre os profissionais Negros no mercado do vinho
Donae Burston | Divulgação La Fête du Rosé

Saiu nos Estados Unidos uma das edições da Wine Enthusiast mais aguardadas do ano. A revista traz a lista 40 Under 40, com a seleção anual dos 40 jovens profissionais mais inovadores do país, Eles estão ali por inovar no mercado e criar tendências, mudando a forma como os norte-americanos bebem. A edição deste ano, em particular, já nasceu histórica e representativa, especialmente para os profissionais negros no mercado do vinho. Motivo: quem estampa a capa é a empresária Tahiirah Habibi. Em outras palavras, é a primeira negra na capa da Wine Enthusiast, uma das principais publicações internacionais especializadas em vinho.

Profissionais negros no mercado do vinho
Reprodução Wine Enthusiast
Profissionais negros no mercado do vinho
Quem é Tahiirah Habibi

Tahiirah Habibi representa uma juventude que, com o vinho, aproxima e une culturas, ajuda a conscientizar a indústria sobre injustiças sociais, traz novos consumidores para o mercado de bebidas e cria oportunidades e espaços educacionais voltados ao tema.

Profissionais negros no mercado do vinho

 

Sommelière respeitada, ela fundou em 2017 a HUE Society, “um espaço seguro para a comunidade aprender, comungar e encontrar recursos em um só lugar”. O trabalho da HUE Society é promover a curadoria de eventos para pessoas sub-representadas na indústria do vinho, proporcionando experiências culturais sob o lema “Wine is Power” – vinho é poder, em inglês.

O impacto gerado pelo post de Tahiirah provocou a alteração na forma de tratamento aos Master Sommeliers

Em junho deste ano, Tahiirah publicou um post que viralizou no Instagram, em que relata sua experiência durante um dos exames de admissão na  Court of Master Sommeliers America.

O post gerou muita discussão e culminou com a decisão, por parte da organização, de mudar a forma de tratamento de seus instrutores. Pela tradição, os membros da organização mais prestigiada de sommeliers do mundo eram tratados por “Master” seguido pelo sobrenome. Agora, o tratamento correto é “Master Sommelier” seguido pelo sobrenome. Utilizado sozinho, o termo “Master” remete ao período de escravidão nos EUA.

Profissionais negros no mercado do vinho
Reprodução thehuesociety.com

Além de Tahiirah, outros profissionais negros fazem parte da lista 40 Under 40.

E aqui cabe uma reflexão: comemoramos a edição histórica da Wine Enthusiast ou lamentamos por somente agora a revista trazer uma profissional negra na capa?

Bem, talvez ambos.

Profissionais negros no mercado do vinho
O poder do consumidor negro

Cada vez mais negros estão entrando no mundo do vinho, mas ainda deparam com diferentes formas de preconceito. Algumas delas implícitas, como a ideia de que o gosto de consumidores negros se restringe a vinhos doces (a maioria deles associada a paladares iniciantes). Ou então a crença de que a população negra não tem condições de pagar pelos vinhos mais caros.

Em 2018, o poder aquisitivo do consumidor negro nos EUA somava US$1,2 trilhão

O fato é que a indústria de bebidas nos Estados Unidos não vinha acompanhando a evolução do interesse do público negro pelo mundo do vinho. O setor ignorava, ano após ano, o poder aquisitivo dos negros, que, em 2018, alcançava nada menos do que US$ 1,2 trilhão, segundo relatório da Nielsen – e este artigo no VinePair é excelente para abrir o olhar sobre a questão.

“O que tenho notado ao longo dos anos, seja tomando uma taça de vinho sozinha em um bar, seja experimentando um novo restaurante como um deleite, é que, como mulher negra, há expectativas sobre o tipo de vinho que devo beber – ou se vou gostar de beber vinho”, diz a autora do texto, a jornalista Nneka M. Okona, especializada em viagem e gastronomia.

A passos lentos, essa realidade começa a mudar.


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Profissionais negros no mercado do vinho
A  necessidade de inclusão na indústria do vinho

Profissionais negros no mercado do vinho

Reforçando um movimento que ganhou novas dimensões a partir da morte de George Floyd por um policial em Minneapolis, uma parte considerável do setor apressa o passo para reconhecer empresários e profissionais negros. A busca é por aprofundar o diálogo sobre o inegável racismo na indústria vitivinícola e encontrar caminhos para viabilizar a participação de negros no setor.

Revistas e sites especializados também vêm se engajando, ampliando a abordagem sobre vinícolas, restaurantes e wine bars de proprietários negros. E aí entra a edição da Wine Enthusiast, destacando a primeira negra em sua capa e vários outros profissionais afro-americanos na lista 40 Under 40.

Profissionais negros no mercado do vinho
O Sommelier DLynn Proctor abre o post de Sabrina Jackson

Embora esteja longe do ideal, nos últimos anos a Wine Enthusiast vem aumentando a inclusão de  profissionais negros em sua lista – nenhuma, porém, teve o volume de representatividade equiparável à de 2020.

A lista de 2014, por exemplo, incluiu entre os destaques apenas dois negros: o Master Sommelier Carlton McCoy JrDLynn Proctor, este último um dos quatro profissionais que estrelaram o documentário SOMM (2013), sucesso internacional na Netflix.

Mas será que esse reconhecimento teria acontecido se não fosse o documentário?

A questão foi levantada pela influenciadora Sabrina Jackson, autora de um post sobre a escassez de diversidade na lista da Wine Enthusiast, que viralizou no LinkedIn em 2017 e que vale ser lido:  Os Top 40 Afroamericanos abaixo dos 40 que a Wine Enthusiast não mencionou.

É fundamental abrir discussões sobre o tema, para aumentar a visibilidade sobre o trabalho brilhante de profissionais negros no mercado do vinho. Um incentivo imprescindível para que as novas gerações não se intimidem e passem a ingressar no mercado, mudando a realidade atual.

E inspiração é o que não falta.

Vejamos alguns exemplos.


Profissionais negros no mercado do vinho
André Hueston Mack

Profissionais negros no mercado do vinho

André Hueston Mack se tornou o primeiro afro-americano a conquistar o título de Melhor Jovem Sommelier dos Estados Unidos, em 2003, pela Confrérie de la Chaîne des Rôtisseurs.

No ano seguinte, já ocupava o cobiçado posto de sommelier chefe do Per Se, em Manhattan, considerado um dos melhores restaurantes do mundo.

Hoje é curador de vinhos para o Club W, clube de vinhos personalizado voltado à nova geração de apreciadores. Também se tornou empresário e produz seu próprio vinho, Mouton Noir, a partir de uvas cultivadas no Oregon, região entre a Califórnia e Washington que produz vinhos Pinot Noir e Chardonnay muito elegantes.

Artista gráfico autodidata, é ele quem cria a arte dos rótulos, não só para a própria linha de vinhos, como para outras vinícolas.


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Carlton McCoy Jr MS
Profissionais negros no mercado do vinho
Carlton McCoy Jr. | Foto Daniel Krieger Photography

Formado pelo Culinary Institute of America, Carlton McCoy Jr é o segundo negro a conquistar o título de Master Sommelier, reconhecimento máximo internacional a um sommelier. Entre os 269 Master Sommeliers do mundo, apenas três são negros além de McCoy (2014), detêm o título Thomas Price (2013) e Vincent Morrow (2019).

Carlton também se tornou o primeiro negro a comandar uma grande vinícola nos Estados Unidos – hoje ocupa os cargos de presidente e CEO da Demeine Estates e da Heitz Cellar, no Napa Valley.

Defensor ferrenho da diversidade na indústria do vinho, McCoy se juntou aos Conselhos de Diversidade da Court of Master Sommeliers e de Curadores da James Beard Foundation. Também fundou o The Roots Fund, com Tahiirah Habibi (ela mesma, a sommelière que abre este post) e Ikimi Dubose, para ajudar negros e indígenas a ingressar no mercado do vinho com apoio financeiro, bolsas de estudo, sessões de treinamento e empregos.

Eu adoro, particularmente, a degustação conduzida por ele no evento Bubbles and Bites, promovido pela Food and Wine, que você assiste abaixo.

Que classe, que senso de humor!

 


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Brenae Royal
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Brenae Royal / Reprodução @_cabrenae

Também incluída na lista 40 Under 40 de 2020, Brenae Royal entrou no negócio de vinhos porque adora agricultura. Hoje, aos 30 anos, gerencia um vinhedo histórico na Califórnia, o Monte Rosso, da gigante W. & J. Gallo.

Para termos uma ideia da dimensão de sua responsabilidade, Brenae gerencia 101 hectares de vinhas, com 10 variedades diferentes e 64 blocos individuais.

Um local de trabalho diversificado e inclusivo é a chave para o sucesso

No Monte Rosso estão algumas das videiras mais antigas da Califórnia, que chegam a 134 anos e são geridas 100% manualmente. Cada bloco e cada variedade precisam de abordagens individuais. E é trabalho dela definir a melhor estratégia para que todas as metas de qualidade sejam cumpridas em tempo hábil.

De acordo com Brenae, que ganhou uma bolsa acadêmica e se formou em Ciências de Lavouras e Horticultura em 2013, os consumidores hoje são mais engajados. E à medida que as empresas identificam a oportunidade de inovação e crescimento, descobrem que um local de trabalho diversificado e inclusivo é a chave para o sucesso.

https://youtu.be/p7VEBmEK3cI

 


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Dlynn Proctor

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É muito interessante falar sobre a trajetória de Dlynn Proctor porque uma parte crucial de sua carreira foi registrada pelo aclamado SOMM (2012) e depois por SOMM – Into the Bottle (2015).

O estilo e a personalidade do jovem sommelier se destacaram no documentário que lhe rendeu o apelido de “Señor Smooth”, pelo mentor Fred Dame.

Antes, porém, Proctor já havia conquistado reconhecimento com títulos como o de “Melhor Sommelier da América” pela revista Wine & Spirits, em 2008, e foi finalista em duas edições do disputadíssimo concurso The Chaîne des Rôtisseurs Société Mondiale du Vin (2008 e 2009), entre uma série de outros méritos.

Inspirado na vida de Dlynn, o filme Uncorked levou seis anos para ser concluído

De lá pra cá, Señor Smooth se tornou referência internacional no mundo do vinho. Em 2013 foi nomeado Embaixador de Enologia na Penfolds Wine, da Austrália, e, no ano seguinte, integrou a lista 40 Under 4o da Wine Enthusiast. Hoje dirige a Fantesca Estate & Winery, no Napa Valley, contribui com conteúdo de comida e vinho para programas de TV e revistas, além de viajar muito, representando as vinícolas mundo afora.

Se eu fosse você, trataria de assistir a Uncorked – Notas de Rebeldia, na Netflix. Por quê? O filme, que levou seis anos para ser concluído, é inspirado na vida de Dlynn Proctor, com elenco predominantemente negro, mostrando a jornada do jovem Elijah Bruener para realizar o sonho de se tornar um Master Sommelier.

Proctor foi produtor associado do filme e fez uma breve participação como ator. Mas não vou contar em qual parte, vai ser uma grata surpresa quando você descobrir ao assistir. 😉

Segue o trailer:


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Regine T. Rousseau
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Reprodução @reginetrousseau

Durante uma viagem acadêmica por Besançon, na França, Regine T. Rousseau se apaixonou pelo universo do vinho. Mais tarde, deu início à carreira na indústria de bebidas como vendedora de uma distribuidora.

A experiência nessa atividade fez com que ela percebesse o tamanho da barreira que a empostada linguagem do vinho impõe, separando profissionais do meio e consumidores. Então ela fundou a própria empresa, Shall We Wine, em Chicago, focada em degustações de vinhos, destilados e cervejas.

E como funciona? Uma rede de especialistas ajuda importadores e distribuidores a organizar degustações em suas lojas de varejo. A empresa também planeja eventos corporativos focados em vinhos e destilados. E promove uma série de oportunidades voltadas a estilo de vida com o vinho, como viagens e degutações privadas.

Veja no vídeo abaixo a participação de Regine T. Rousseau no programa Windy City Live, quando apresentou alguns rótulos produzidos exclusivamente por enólogas. Regine simplifica e aproxima ao máximo a descrição dos vinhos, chegando a inspirar os apresentadores a arriscar comentários sobre os rótulos degustados.

Enfim, a ideia é justamente essa. Aproximar, tirar a pompa. E curtir seu vinho em paz.

 


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Donae Burston 
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Divulgação

Donae Burston entrou no mercado do vinho quase que acidentalmente. Antes de se tornar o primeiro negro a ter sua própria marca de rosés, o CEO da La Fete Rosé cursou Matemática e Engenharia e, paralelamente aos estudos, trabalhava com TI, quando passou a ajudar um amigo a promover bebidas em boates.

Um ano depois, foi contratado pelo grupo LVMH para ser embaixador de Hennessy Cognac e Moët & Chandon em Atlanta, com foco no público afro-americano. Viajou pelo mundo e ganhou conhecimento sobre o nicho de bebidas de luxo, cuidando de contas como Veuve Clicquot, Dom Pérignon e Belvedere. Resultado: só saiu de lá nove anos depois, para assumir um cargo na Champagne Armand de Brignac.

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Armand de Brignac, o Champagne de Jay-Z

Isso mesmo, o Champagne produzido por Jay-Z (o rapper adquiriu a marca em 2014).

Em uma viagem a Saint-Tropez, Donae Burston se apaixonou pela cultura do vinho rosé, consumido diariamente por públicos dos mais variados perfis. Bem diferente do que estava acostumado a ver nos Estados Unidos: um rosé estereotipado, bebido por um nicho muito específico, que ele define como mulheres brancas, loiras e ricas.

Planejou, então, criar seu próprio rosé. Mas teria que ser um rosé com estratégia de marketing diferente, com outra pegada. Voltado a um público multicultural. E foi em Saint-Tropez que Burston deu início ao seu sonho, produzindo o próprio vinho a partir de uvas cultivadas no vinhedo mais antigo da península, o Bertaud-Belieu.

Nascia, assim, La Fête du Rosé, blend de Grenache (80%), Mourvèdre (14%) e Syrah (6%).

Natural de Baltimore, o CEO do La Fête Rosé vive hoje em Miami e visita a França três vezes por ano para acompanhar a colheita e a produção de seu rosé.

Importante: desde que fundou a empresa, Burston vem sendo incansável na busca pela inclusão na indústria do vinho. Ele cria, por exemplo, programas que viabilizam viagens de estudo no exterior para crianças de minorias de baixa renda. E para todo o mês de agosto, anunciou a doação de US $ 2 a cada garrafa vendida online para a Color of Change, organização sem fins lucrativos de defesa dos direitos civis.

 


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Ntsiki Biyela

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Ano passado fiz um post sobre Ntsiki Biyela, a primeira negra a se tornar enóloga na África do Sul. Ntsiki tem uma trajetória fascinante. Trabalhou como empregada doméstica, ganhou bolsa de estudos, viajou pelo mundo conhecendo o trabalho de grandes enólogos e vinícolas.

Ao começar seu próprio trabalho como enóloga na África do Sul, faturou, de cara, medalha de ouro.

Hoje, está à frente da Aslina Wines e desenvolve um trabalho social admirável, gerando oportunidades e inspirando jovens a sonharem com a carreira no mundo do vinho.

Clique no link abaixo para conferir essa história, em um post inteiro dedicado a ela:

+ A trajetória de Ntsiki Biyela, a primeira enóloga negra da África do Sul


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Joseph Dhafana

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A história de Tongai Joseph Dhafana é digna de roteiro de cinema. Natural do Zimbábue, trabalhava em Chirumhanzu como assistente em uma fábrica de cimento, até o país mergulhar em uma séria crise no ano 2000, gerando um grave colapso econômico. De refugiado a wine maker: a vida de Joseph Dhafana é digna de roteiro de cinema.

Com a maior parte da população vivendo em extrema pobreza, Dhafana fugiu do Zimbábue em 2009 com a mulher, Amelia, em busca de uma vida melhor na África do Sul

Para isso, embarcaram em um caminhão de frutas e depois enfrentaram 26 horas de trem, até conseguir entrar como refugiados em Johanesburgo. Joseph passou a trabalhar dividindo turnos em um restaurante em Riebeek-Kasteel, como jardineiro e garçom. E quando completou 29 anos, provou vinho pela primeira vez na vida.

Daí pra frente, se inscreveu em diferentes cursos sobre vinhos, aflorando suas habilidades como degustador, até se tornar um dos sommeliers mais respeitados da África do Sul. Em 2019, já como head sommelier do La Colombe, na Cidade do Cabo, um dos mais icônicos restaurantes sul-africanos, recebeu um dos principais reconhecimentos entre os profissionais de vinho do país, o prêmio Eat Out Wine Service.

Durante sua trajetória de aprendizado, foi guiado pelos principais produtores da região de Swartland, como Chris-Mullineux, Eben Sadie e Roger Clayton, até produzir sua própria marca de vinho.

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Hoje Dhafana produz sua própria linha de vinhos

Hoje, sua Mosi Wines and Spirits está muito bem estabelecida. Seus vinhos produzidos com a mínima intervenção são tão bem conceituados que, em 2018, uma caixa vertical, com seis deles, bateu recorde em leilões de vinhos sul-africanos no país. Foi arrematada no evento Solo Studios Intimate-Art Encounters por R16 000 (o equivalente a US$ 952).

Além de elaborar varietais de Syrah e Chenin Blanc, Dhafana passou a produzir o próprio rótulo de gin premium, o Mosi WaMambo Gin. O destilado é inspirado em suas raízes do Zimbábue e conta com ingredientes colhidos em Chirumhanzu, combinados com gengibre e zimbro italiano.

Diplomado com o WSET Nível 3, Joseph é juiz de vinhos e membro do conselho da South African Sommelier Association (SASA), além de membro fundador do Black Cellar Club (BLACC) – associação sul-africana de profissionais negros do vinho. Também capitaneou o Team Zimbabwe, que competiu no World Blind Wine Tasting Championships na Borgonha em 2017.

Conheça um pouco mais sobre a vida de Joseph Dhafana, hoje com 37 anos, que neste vídeo aparece com a mulher, Amelia:

 


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E no Brasil?

Por aqui, os negros representam 54% da população e movimentam uma renda própria de R$ 1,7 trilhão por ano, de acordo com a pesquisa A Voz e a Vez – Diversidade no Mercado de Consumo e Empreendedorismo (Instituto Locomotiva com apoio do Itaú).

Só que apenas 10% da população negra ocupa cargos de liderança nas empresas.

Com relação ao vinho, essa liderança é ainda praticamente inexistente, o que não significa que o consumo de vinhos entre os negros brasileiros não tenha aumentado. Assim como nos Estados Unidos, o interesse e o consumo do público negro por vinhos finos só aumenta.

No Brasil, os negros representam 54% da população e movimentam uma renda própria de R$ 1,7 trilhão por ano

Ou seja, é cada vez maior a aplicação do chamado black money em tintos, brancos, rosés e espumantes. E temos visto nascer iniciativas como a incrível Confraria das Pretas, que reúne mulheres para difundir conhecimentos sobre vinhos e negritude (saiba mais abaixo).

Já está mais do que na hora de a indústria vitivinícola brasileira lançar um olhar atento e abrangente ao público negro, para que seu acesso aos vinhos se viabilize mais e mais. O setor precisa de representatividade, com urgência.

Vamos, então, a alguns nomes brasileiros para ficarmos de olho.


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Larissa Bezerra

 

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Reprodução @enotrajectory

Nascida em Porto Seguro, Larissa Bezerra está cursando enologia na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), no Rio Grande do Sul.

Em seu perfil no Instagram, @enotrajectory, ela compartilha um pouco de seu aprendizado sobre vinhos: a temperatura ideal de serviço, a importância dos rótulos, o que é Vinho Verde, o que é vinho laranja e por aí vai.

Em um dos posts, ela dividiu:

“Quem está comigo desde 2010 até 2015 com certeza já me ouviu falar do meu sonho de fazer enologia, e alguns ja me ouviram chorar por não ter portas abertas pra isso.
Mas quando não tem portas abertas, derrubamos as portas e ocupamos os espaços que nos é de direito.
E foi o que eu fiz, ‘ignorei’ as estatisticas e as mil possibilidades de dar errado. E estou aqui.
Futura enóloga Larissa Bezerra!” 

https://www.instagram.com/p/CD9GoPHp4pC/?utm_source=ig_web_copy_link

Larissa também tem um canal no Youtube: A trajetória de uma enóloga. Bora acompanhar?


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Kenedy Santos

Conheci a trajetória do sommelier Kenedy Santos por acaso, fazendo um trabalho muito abrangente. Era uma pesquisa imensa sobre aspectos culturais em Natal (RN) e outras cidades brasileiras, que nada tinha a ver com vinho. Ao abordar projetos para comunidades carentes, praticamente me caiu no colo o nome “Vinho na Periferia”. Voilà! Trata-se de um curso de informação e introdução ao universo do vinho criado por ele.

Kenedy fez um curso de formação de garçom no hotel Senac/Barreira Roxa em 2018 e passou a trabalhar no restaurante do SERHS Natal Grand Hotel & Resort. Foi onde começou a se interessar pelo universo do vinho. Em seguida, tornou-se maître em um dos melhores restaurantes da cidade, o La Brasserie de La Mer, e teve a oportunidade de cursar a Escuela Argentina de Sommeliers (EAS).

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Divulgação

Descobriu, então, que o vinho poderia ser tratado sem intimidações na linguagem e no acesso.

Além de ter estudado por dois anos na Argentina, Kenedy trabalhou na importadora Grand Cru. E veio então a ideia de difundir o vinho para comunidades carentes, traduzindo as informações a que teve acesso e trazendo aos alunos a possibilidade de construir uma carreira no mercado do vinho.

O projeto se sustenta com o trabalho de uma equipe 100% voluntária. De sommeliers a instrutores e profissionais de Comunicação.

Dividido em 5 módulos, o curso oferece aulas práticas e teóricas. E atrai não só quem sonha com uma profissão, como quem deseja entender sobre vinhos, sem se profissionalizar.

Com o Vinho na Periferia, Kenedy também pretende aproximar alunos e parceiros, como restaurantes e adegas (atenção, empresários!). O sommelier sonha em levar seu projeto a várias regiões carentes, democratizando ao máximo o aprendizado sobre vinhos e o acesso a eles.

https://www.instagram.com/p/B4TkawKFpGp/?utm_source=ig_web_copy_link


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Ray Cachoeira

 

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Reprodução Instagram @bagagemdaray

“Sou advogada e quando decidi fazer o curso de sommelière, meus pais acharam loucura, ‘isso não é para a gente’, ‘é um mundo caro,'”, me contou a Ray, em uma conversa que tivemos por DM no Instagram. “Hoje tem mais garrafas de vinho na casa deles do que da minha [risos]“.

Esse contato aconteceu ano passado, quando comentávamos sobre a falta de representatividade de entrevistados negros sobre o universo do vinho.

“Normalmente, nos eventos que participo, somos eu e no máximo mais duas pessoas negras”

Ray se formou sommelière pelo Senac. Ingressou no mundo do vinho em 2017 e comenta que pode contar nos dedos quantas mulheres e homens negros conheceu no meio. “Normalmente, nos eventos que participo, somos eu e no máximo mais duas pessoas negras”, diz.

Bom, mas o fato é que a situação não roubou o ânimo da moça, que passou a organizar encontros sobre vinhos, resolveu empreender e fez acontecer!

Fundou o Clube Ellas Vinhos, que todo mês entrega uma experiência personalizada aos sócios: boxes com rótulos escolhidos de acordo com o gosto e o conhecimento de quem assina o clube. Dá só uma olhada:

https://www.instagram.com/p/B-pEdGVpFdM/?utm_source=ig_web_copy_link

You go, girl!


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Silvana Aluá

A sommelière Silvana Aluá desenvolve um trabalho fantástico de inclusão no mundo do vinho. Formada pelo Senac em 2010 e com classificação WSET Nível 1, ela fundou a Confraria das Pretas, em São Paulo.

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Reprodução confrariadaspretas.com

Os encontros vão muito além das degustações e conversas sobre vinhos. “A confraria surgiu da necessidade de posicionamento dos pretxs perante um mercado elitista e predominantemente branco”, ela explica, sensatamente, em seu site.

Silvana idealizou reuniões com palestras aliadas a degustações. Por exemplo, com uma socióloga tratando de temas como África ou religiões de raiz africana.

Também passou a levar grupos para conhecer vinícolas, bares de vinhos, entre outros destinos voltados ao tema. O que achei muito bacana: no lugar das harmonizações tradicionais, como vinho e comida italiana ou francesa, entraram as harmonizações com comida africana.

O grupo, como o nome indica, começou voltado exclusivamente a mulheres pretas. Mas não demorou muito para que os agregados se interessassem. “Nosso povo é muito carente de conhecimento de vinho”, diz.

Resultado: hoje participam as mulheres pretas com seus namorados, maridos, amigos. Mas ela deixa bem claro, humoradamente, que a prioridade de fala é feminina.

Durante a pandemia, os encontros continuam a mil. Apenas passaram a ser virtuais.

https://www.instagram.com/p/CDHpPnMn-_m/?utm_source=ig_web_copy_link

Assisti a uma live om a Silvana no Instagram, onde ela comenta sobre os encontros da Confraria das Pretas. E deixo aqui o link pra você conferir.


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Recomendações
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Westend61 | Getty

Estamos ainda nos primeiros passos de uma evolução lenta, em um meio tradicionalmente excludente, onde a diversidade é ainda pífia. Mas temos, já, um começo, com um grande futuro.

O caminho para agregar cada vez mais diversidade ao mundo do vinho, no entanto, vem antes  da profissionalização. Começa pela informação dos consumidores – e isso inclui desenvolver políticas de inclusão voltadas à concessão de bolsas de estudos em cursos livres sobre temas ligados ao vinho. Também, investir em marketing junto a influenciadores e formadores de opinião que conversem olho no olho com a comunidade negra.

E vai aqui uma dica: além desse pessoal incrível citado no post (reparou como todos são lindos?), Djamila Ribeiro é apaixonada por vinhos, a ponto de visitar vinícolas quando viaja (tenho o orgulho de conversar com ela eventualmente, trocando ideias sobre o assunto).

O Instagram está cheio de perfis muito interessantes envolvendo a negritude e os vinhos. Além dos perfis e sites já citados neste post, sugiro outros como referências:

Black Wine Professionals
Black Girls Wine
BLACC – The Black Cellar Club
Association of African American Vitners (AAAV)
Black Girl Magic Wines
Urban Conoisseurs
The Black Girl Social Club
Julia Coney
Brow Estate
Ntsiki Biyela
Confraria das Pretas
Adega Periférica
Djamila Ribeiro
Curso Prático de Vinhos
Medusa Urbana Vinhobar


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Nota
Profissionais negros no mercado do vinho
Getty

Em respeito à comunidade negra, eu não poderia terminar este post sem me justificar sobre o porquê de eu ter utilizado o termo “negro”, e não “preto”.

Pesquisei bastante, perguntei a amigos e descobri muitas explicações para a utilização dos dois termos.

Muitos se guiam pela terminologia utilizada pelo IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que utiliza como critério de pesquisa a autodeclaração de cor e raça do entrevistado. Se branco, preto, pardo, amarelo ou indígena. E ao utilizar “negros”, a referência é à soma das populações parda e preta.

Também li sobre a ressignificação do termo “negro” no Brasil, por movimentos tradicionalíssimos, como o MNU: de origem colonial pejorativa, o termo “negro” foi ressignificado, passando a adquir sentido positivo. E vale lembrar que somente os negros podem ressignificar qualquer termo de origem racista.

A partir de tudo o que pesquisei e conversei, a conclusão é de que não há um consenso a respeito. Sendo assim, optei por utilizar o termo “negro”.

Vou estar sempre aberta a novos esclarecimentos e correções sobre o assunto.

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Jornalista e consultora nas áreas de gastronomia e viagem, não recusa uma taça de um bom Syrah. Editora de Estilo da revista ISTOÉ Dinheiro, foi diretora de redação da revista WINE, crítica de restaurantes da revista Playboy, repórter e apresentadora na Rede Globo São Paulo e TV Cultura.
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