Após a longa viagem aérea, Paris não será meu destino final. Apresso o passo para chegar ao carro e partir do aeroporto Charles De Gaulle em direção a duas das regiões vinícolas mais importantes do mundo.
O plano é percorrer um roteiro enogastronômico entre Borgonha e Alsácia, tendo como base castelos transformados em hotéis de charme.
(Atualização do post: o Château d’Esclimont se encontra fechado; foi vendido ao grupo chinês Tianci Holdings e será convertido em um hotel de luxo até 2025)
A uma hora da capital francesa, mais precisamente no coração de um bosque em Saint-Symphorien-le-Château, um antigo palácio renascentista será meu primeiro abrigo nessa jornada.
Erguido no séc. XVI, o Château D’Esclimont é uma propriedade belíssima, com jardins e lagos que encantam de imediato, provocando um inevitável coup de foudre, como os franceses tão bem definem o amor à primeira vista.
Não à toa, muitos casamentos são realizados aqui, em boa parte por brasileiros.
Foi o caso, por exemplo, de Paula Senna Lalli, filha de Viviane Senna e sobrinha de Ayrton Senna, que escolheu o castelo para a celebração de sua união com o médico Paulo Barbisan.
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No meu caso, é uma pausa estratégica, de apenas uma noite, antes de prosseguir viagem.
Nos apartamentos, não há exatamente luxo. A maior inspiração vem da atmosfera de romance e história que envolve a propriedade.
E após uma merecida noite de descanso, um café da manhã com direito aos indefectíveis croissants e queijos locais torna a vida incrivelmente tentadora.
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CHAMPS-ELYSÉES DA BORGONHA
Tomo a estrada em direção à Borgonha, terra da Chardonnay e da Pinot Noir, onde as planícies parecem não ter fim e terroir é assunto de gente grande.
Nesse cenário, como não percorrer a chamada Côte d’Or, que se estende de Dijon a Santernay, e passa por 24 dos 33 grands crus da região? Pelo termo grand cru, entenda-se a mais alta categoria que um vinho pode alcançar por estes lados.
Trata-se de uma verdadeira terra prometida para qualquer enófilo, que tem seu ápice na Rota dos Grands Crus: é onde se encontra o diminuto vinhedo de Romanée-Conti, com apenas 1,8 hectares, que origina o vinho mais cobiçado do planeta, de mesmo nome.
A produção não ultrapassa 6 mil garrafas anuais. Em outras palavras, ouro líquido.
A vizinhança de peso inclui vinhedos como Richebourg, La Romanée, Romanée Saint-Vivant, Grande-Rue e La Tâche.
Por essas e tantas outras, esse pedacinho da costa passou a ser conhecido como a Champs-Elysées da Borgonha.
CELEBRAR
A maior parte das vinícolas locais oferece degustações previamente agendadas.
Chego ao vilarejo de Gebrey-Chambertin pouco antes do almoço, na Domaine de Drouhin-Laroze. É uma propriedade do séc. XIX que não funciona regularmente como restaurante – a prioridade é a excelência na produção de vinhos.
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Sou recebida pela proprietária, Christine Drouhin que, junto com o marido, Philippe, tem a responsabilidade de preservar a sólida reputação local, conquistada ao longo de quase dois séculos.
Simpática, ela me convida a um passeio pelos cômodos, até finalmente revelar o subsolo, onde a cave de dois andares guarda grand crus como Musigny, Chambertin-Clos de Bèze, Clos de Vougeot, Bonnes-Mares e Chapelle-Chambertin.
A refeição, informal e adorável, acontece em área aberta, debruçada para o vinhedo.
“Estes não podem faltar”, brinca Christina, trazendo uma bandeja farta de gougères, bolinhos dourados que muitos brasileiros apelidam, grosso modo, de pães de queijo franceses.
Em seguida é servida outra especialidade local, o boeuf bourguignon, que vem a ser a carne de boi cozida em vinho tinto.
Na essência, a simplicidade explode em sabor e o luxo maior é a harmonização: aqui o vinho é celebrado de forma calorosa. E já que estou no clima, a tarde é reservada para percorrer mais algumas vinícolas.
Chego ao Château de Gilly, em Gilly-lès-Cîteaux Vougeot, vilarejo com 650 habitantes entre Dijon e Beaune.
Ainda que por um curto período, é inspirador ter este lugar como casa na Borgonha.
Meu quarto ocupa parte do andar térreo, com um incrível terraço voltado para um típico jardim francês.
A antiga mansão medieval – de onde se avista o Château du Clos Vougeot e seu vinhedo de 50 hectares – já foi residência de monges cistercienses entre os séculos XIV e XVII.
Hoje, recuperada, integra a rede Small Luxury Hotels of the World, com detalhes como parte do mobiliário tombada pela Superintendência de Belas Artes e Afrescos.
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O jantar acontece em um imenso salão gótico do séc. XIV, originalmente destinado à adega dos monges. No comando, o chef Jean-Alain Poitevin destaca ingredientes adquiridos de produtores locais.
+ Verifique a disponibilidade e faça sua reserva no Château de Gilly
O dia seguinte começa com uma visita ao Château de Pommard, construído em 1726 na cidade de mesmo nome.
O castelo abriga o maior vinhedo privado da Borgonha, distribuído por 20 hectares cercados por muros de pedras.
Aqui o orgulho local é o Cuvée Prestige, potente e elegante, um dos mais respeitados tintos da região.
Em dias de sol, as visitas são escandalosamente belas – pode-se perder de vista o fim da área dos vinhedos e visitar as caves, preservadas há três séculos.
Em seguida, participo da primeira degustação do dia. Mas já? Bem, estando na região vinícola mais importante do mundo, você evitaria uma prova de vinhos pelo simples fato de ela acontecer de manhã?
Nem eu.
ESPECIALIDADES
Sigo para Beaune, antiga capital do reino da Borgonha, uma cidadezinha despojada, dessas onde lojinhas charmosas se avizinham nas ruas estreitas.
O assunto, agora, é considerado uma instituição local, a mostarda de Dijon.
Minha preciosa fonte é a tradicionalíssima Moutarderie Fallot, empresa familiar que desde 1840 se destaca na produção artesanal de mostarda.
Além de conhecer a história da casa, é divertido tentar preparar minha própria mostarda, esmagando as sementes na pedra, incorporando a elas vinagre, água e sal.
Mas o melhor, claro, é comprar um bom estoque do produto ao fim da visita.
Em seguida, o almoço acontece no restaurante Caveau des Arches, em uma adega abobadada do século XVII elegantemente adaptada.
Abro o cardápio e lá estão eles: os escargots. E há melhor lugar para degustá-los do que na Borgonha? Recém-saídos do forno, os caracóis chegam à mesa em um prato de cerâmica, ainda borbulhando, mergulhados em manteiga de ervas com alho e avelãs.
Mais vinho.
E, de novo, simplicidade e sabor se completam.
Durante a tarde, uma boa caminhada pela cidade traz mais inspiração. De várias partes, pode-se avistar um dos cartões postais da Borgonha: o telhado esmaltado e colorido do L’Hôtel-Dieu.
O edifício, de 1443, é uma jóia da arquitetura medieval, também chamado de “Palácio para os Pobres”.
Em suas dependências, até 1971, as freiras locais cuidaram de enfermos menos favorecidos, com a ajuda de doações de nobres e burgueses.
O lugar é hoje um museu interessante que merece a visita não somente pela história, mas também pela arte, expressa em murais e pinturas.
É bom lembrar que aqui acontece, desde 1859, o leilão de vinhos mais famoso do mundo, realizado pela Christie’s, sempre em novembro, quando milhões de euros são arrecadados para obras assistenciais.
CHÂTEAU URBANO
Mais uma noite no castelo de Gilly e na manhã seguinte já me sinto renovada para um novo trecho da viagem.
A ideia, agora, é desviar para o Pays de Gex, na fronteira com a Suíça, rumo ao Château de Divonne, em Divonne-les-Bains.
A propriedade fica a 15 quilômetros de Genebra, mais precisamente entre o Lago Léman e as montanhas do Jura.
Gosto muito do jeito desse castelo, compacto, com três andares e apenas 34 apartamentos decorados em estilo tradicional francês.
Em dias limpos e ensolarados, quem desce para o terraço se surpreende com uma incrível vista para os alpes suíços e o inevitável Mont Blanc.
Por isso, bom é apreciar o café-da-manhã por aqui mesmo, antes esticar a pé até a cidade – o castelo tem localização urbana, fica também a dois passos do cassino.
+ Verifique a disponibilidade e faça sua reserva no Château de Divonne
Aproveito minha estada para um passeio pela vila medieval de Yvoire, considerada uma das mais belas da França, localizada a 20 quilômetros, com direito a navegação pelo Léman.
E já que Genebra também está próxima, não é má ideia dar uma conferida nas lojas e grifes da Rue du Rhône, a poucos passos do desembarque.
ALSÁCIA
Encantada com a atmosfera local, confesso que já sinto falta das incursões enogastronômicas. E lá vou eu para outra região fronteiriça, a Alsácia, ancorada nas tradições alemãs.
Este pedaço da França é um dos territórios dos vinhos brancos, secos e aromáticos, elaborados predominantemente a partir das castas Riesling e Gewurtztraminer.
Diferentemente do solo plano da Borgonha, aqui os vinhedos se estendem por leves colinas, pontuadas por vilarejos coloridos. Um deles, Colmar, é conhecido como a Pequena Veneza do leste, graças aos seus canais navegáveis.
Construções medievais e renascentistas também formam parte da identidade local, incrementada pelas chamadas casas de “colombage”, feitas em alvenaria intercalada com toras de madeira que remetem aos desenhos de Asterix e Obelix.
E quando o assunto é comida, é bom lembrar que a Alsácia ostenta uma das mais altas concentrações de estrelas Michelin.
Mas nem por isso você vai deixar de experimentar algumas das especialidades locais, como os pretzels, foie gras, choucrotes e o onipresente Kouglof (diz-se “cuglóf”). É uma espécie de bolo feito com brioche e frutas cristalizadas, coberto com uma nuvem de açúcar.
Para isso, escolha um típico winstub, como são chamados os estabelecimentos onde os sabores tradicionais são servidos em pratos generosos, sem que falte um bom vinho.
É o caso do pequeno e aconchegante La Petite-Venise, com interior revestido de madeira e charme de sobra.
CASTELOS FEUDAIS
A 15 quilômetros de Colmar fica o próximo hotel, Château D’Isenbourg, que se destaca no alto de uma colina, enfeitando a paisagem da cidade medieval de Rouffach.
O lugar foi construído sobre a fundação de caves do século XII e XIV e conta com tetos abobadados e janelas voltadas para os vinhedos.
Mesmo com o tempo nublado, a vista é generosa também a partir do restaurante, comandado pelo chef Guillaume Hannauer.
Começo o jantar com um foie gras ao chutney de pêssego com verbena, seguido por um correto tamboril cozido à baixa temperatura com risoto de abobrinhas e pignoli.
Pela manhã, abro a janela e deixo correr a visão sobre as montanhas de Vosges e a famosa Floresta Negra.
De todo o roteiro, esta é certamente a paisagem mais bonita com que despertei até agora.
+ Verifique a disponibilidade e faça sua reserva no Château D’Isenbourg
POÇOS E TORRES
Hora de explorar um pouco mais a Rota dos Vinhos da Alsácia, que se estende por mais de 170 quilômetros, pontilhada por um sem-número de residências históricas.
A região reúne a maior quantidade de castelos feudais da Europa, com nada menos do que 400 ruínas de fortalezas.
O mais famoso é o Château de Haut-Koenigsbourg, erguido como base de defesa, a 26 quilômetros de Colmar.
Do alto das montanhas de Vosges – e de seus quase nove séculos de história – ele observa, como um guardião, a cidade de Orschwiller.
E quando você pensa que já vai começar a enjoar de visitar castelos, percebe que este lugar é para ser verdadeiramente explorado.
Há poços, torres, ruelas e até pontes levadiças, um conjunto quase lúdico que permite um verdadeiro mergulho na atmosfera medieval, resgatada com fidelidade.
Móveis, vestuário e uma coleção impressionante de armas, sobretudo dos séculos XVI e XVII são o destaque. Dica: para apreciar ao máximo este château, grande e muito interessante, reserve uma manhã inteira.
Já chegando ao fim da maratona, o Château de L’Ile, na pequena cidade de Oswald, a 5 quilômetros de Estrasburgo, parece perfeito para um refúgio a dois.
Pela proximidade geográfica, o lugar, cercado por vinhedos, tem fortes influências da cultura alemã, com direito a floreiras na varanda, pombais e terraços junto ao rio.
O ponto forte é o spa, envidraçado, que desperta a vontade de passar uma tarde inteira me entregando aos tratamentos disponíveis.
Sendo assim, o melhor a fazer, agora, é me render a uma boa massagem com jatos d’água para repor as energias.
Afinal, Paris me aguarda.
+ Confira aqui a disponibilidade os os valores de diárias no Château de L’ile
GUIA TOP
DICAS:
- Vá com espírito preparado para o charme e a simplicidade. Em alguns castelos visitados, a decoração dos apartamentos parece desgastada, e não exatamente tradicional.
- Sim, é possível se hospedar a sós em um castelo. Para isso, aposte certo no Château Divonne, com localização urbana, pertinho de Genebra e a dois passos do centro de Divonne-les-Bains.
- Todos os outros castelos favorecem o clima de romance, especialmente o Château de L’Ile.
- Para unir o urbano e o bucólico, a pedida é se hospedar no Château d’Esclimont, a menos de uma hora de Paris.
- Não se esqueça de levar na bagagem a edição atualizada do Guia Michelin, já que Borgonha e Alsácia são regiões icônicas quando o assunto é alta gastronomia.
ONDE FICAR:
Château d’Esclimont: diárias de €150 a € 898 Reservas: Tel +33 (0)2.37 31 15 15 ou grandesetapes.fr/fr/Chateau-hotel-esclimont
Château de Gilly: diárias de €132 a€795 Reservas: +33 (0) 3.80.62.89.98 ou chateau-gilly.com
Château de Divonne: diárias de €145 a €480 Reservas: : +33 (0) 4.50.20.00.32 ou www.chateau-divonne.com
Chateau d’Isenbourg: diárias de €145 a €550 Reservas: + 33 (0) 3 89 78 58 50 ou chateaudisenbourg.com
Chateau de L’Ile: diárias de €180 a €935 Reservas: chateau-ile.com ou Tel +33 (0)3.88 66 85 00
PASSEIOS E DEGUSTAÇÕES:
Pommard:
Château de Pommard: chateaudepommard.com/ Tél : + 33 (0) 3 80 22 12 59
Gebrey-Chambertin: Domaine de Drouhin-Laroze: drouhin-laroze.com/ Tel +33 (0)6.50.23.65.87
Beaune:
Hospices de Beaune – musée de L’Hôtel-Dieu: hospices-de-beaune.com
La Moutarderie Fallot: fallot.com Tél. +33 (0)3 80 22 10 02
Vougeot: Chateau du Clos de Bougeot: closdevougeot.fr Tel. +33 3 80 62 86 09
Orschwiller: Château de Haut-Koenigsbourg haut-koenigsbourg.fr Tel 03 69 33 25 00
ONDE COMER:
Beaune: Caveau des Arches caveau-des-arches.com Tel. 03 80 22 10 37
Colmar: Winstub de La Petite Venise restaurantpetitevenise.com/ Tel. 0389417259
Matéria publicada na revista Top Destinos em março de 2012.
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