Lisboa tem gente muita gira (muito bacana) e sítios (lugares) a não perder (imperdíveis), ó pá! Entre os alfacinhas (lisboetas), betos e betas (mauricinhos e patricinhas) estão sempre a espreitar as montras (olhar as vitrines) e a fazer das ruas um verdadeiro catwalk (passarela). Bué da fixe (muito legal)! Esta cidade é feita para divertir-se imenso!
Isso mesmo. Pode deixar de lado a ideia de que Brasil e Portugal falam a mesma língua. É só chegar e não demora muito para descobrir as várias nuances que o tempo e a distância pincelaram no idioma natal de Camões e Tom Jobim. E não é essa a única sensação de estranhamento. Quem espera encontrar uma cidade antiquada, pontuada pelos velhos estereótipos, se surpreende: a capital portuguesa ganhou um ar descolado, que respira muito além dos azulejos e do fado. Longe do enxame de turistas que assola boa parte da Europa, a cidade se tornou um destino trendy e cheio de entusiasmo. De um lado, cores e contrastes se encarregam de manter a beleza e a tradição deste lugar. Do outro, uma leve atmosfera vanguardista espalha charme pelas ruas.
E onde acontece seu primeiro encontro com Lisboa? Provavelmente em Belém, o mais emblemático dos bairros da cidade que, embora seja afastado do centro, faz um bom mix do passado histórico com a cultura contemporânea local. E, por mais turística que possa parecer uma visita à Torre de Belém, não conhecê-la é como fazer uma desfeita à cidade. Essa antiga fortaleza em estilo manuelino é um tributo à época mais próspera do país. Foi ali que o navegador Vasco da Gama traçou a rota marítima para as Índias, nos idos de 1497. E dali partiu, pois. E quantos outros partiram e chegaram também.
Converse com um lisboeta e ele lhe dirá que os pastéis de Belém são bons, mas que há outros igualmente gostosos na cidade
História, aliás, é o que mais se respira por esses lados: Mosteiro dos Jerónimos, Padrão dos Descobrimentos e uma boa dose de monumentos que reverenciam as grandes navegações se encarregam de trazer ao presente um pouco desse período. Entre descobrimentos e descobertas, aporte na Antiga Confeitaria para render-se aos tradicionais e legítimos pastéis de Belém, uma festa de massa folhada recheada com creme de ovos, cuja receita é conhecida por apenas três pessoas. Converse com um lisboeta e ele lhe dirá que os pastéis são bons, mas que há outros igualmente gostosos na cidade, porém com o nome de “pastéis de nata”. Nada como tirar a dúvida pelo próprio paladar.
Hospedar-se no bairro é outra boa pedida. É em Belém que fica um dos hotéis mais luxuosos de Lisboa, o Lapa Palace, do grupo Orient-Express, que mima os hóspedes com doses de luxo e sofisticação. É quase uma viagem no tempo, já que o palácio que abriga o hotel que já foi a residência do Conde de Valenças no século IXX. Chega de história? O destino, então, é o Centro Cultural de Belém, na Praça do Império, um lugar onde as noites são embaladas por jazz, ópera e música clássica. Ali se pode apreciar com calma um pouco de arte e vanguarda, com galerias e exposições de fotografia, arquitetura, design e artes plásticas. Do restaurante do CCB, a vista é para os jardins de oliveiras e o cais. Relaxe e assista ao Rio Tejoabraçar os contornos de Lisboa, como quem banha um grande amor. E aproveite para fazer compras no próprio Centro. É nele, aliás, que fica uma das melhores lojas de vinhos de Lisboa, a Coisas do Arco do Vinho.
Para mergulhar no espírito design lisboeta, nenhum lugar melhor do que a antiga zona industrial, no bairro ribeirinho deSantos. Os velhos armazéns e amplos espaços fabris da região acolheram um bom número de escolas e lojas de design, além de galerias de vanguarda, joalherias, restaurantes e bares trendy, onde é possível descobrir os novos talentos do design português, bem como encontrar as grandes marcas contemporâneas, como Bulthaup, Boffi, Kartell e Vitra. A região é frequentada por gente bonita e antenada e, por conta disso, é o bairro que concentra a maior parte dos restaurantes bacanas da cidade, que combinam uma cozinha criativa com ambiente cosmopolita. Boas sugestões: Alma, Yasmin, Estado Líquido, A Travessa, Guarda Mor.
Ainda no clima de vanguarda, seu próximo destino pode ser um dos bairros históricos do centro. Comece pelo Bairro Alto, um dos mais interessantes da cidade, que respira como uma espécie de reduto da boemia, com noites alegres e concorridas. Dedique um bom tempo para percorrer as ruelas e os becos antigos, pontuados por lojas fashion, restaurantes da moda, livrarias e bares. É o que se pode chamar de uma feliz fusão de modernidade e tradição. Dali, desça pelo Chiado e sinta a atmosfera ganhar ares de sofisticação ? sem perder a tradição, é claro.
O bairro já foi o centro da vida intelectual de Lisboa. O Largo do Chiado abriga algumas das lojas mais antigas e bacanas da cidade. É onde fica, por exemplo, a primeira loja da Vista Alegre, a tradicional e sempre atual grife portuguesa de porcelanas, inaugurada em 1957. É ali, também, que começa a Rua Garret, uma verdadeira artéria comercial, repleta de cafés, livrarias e lojas, que desce até a Baixa.
Há quem diga, ironicamente, que o Chiado é o segundo nome da rua Garrett, tamanha a concentração de lugares interessantes que o endereço abriga e que fazem a fama do bairro, a começar pelo café A Brasileira, que já foi frequentado pelo escritorFernando Pessoa, dono de uma relação profunda com a cidade. Na mesma rua, a loja do elevador, como é conhecida a megastore da Benetton, ocupa um edifício que já abrigou os armazéns Ramiro Leão, antigo reduto da burguesia lisboeta. A loja Paris em Lisboa é outro must-go-to: inaugurada em 1888 para trazer um pouco da capital mundial da moda para Lisboa, já foi a referência fashion para as senhoras da sociedade e, a partir dos anos 80, passou a se dedicar exclusivamente à moda casa.
Aproveite também para conhecer a Caza das Vellas do Loreto, uma loja pequena e charmosa que nasceu em 1789 e revela um mundo de cores e cheiros, como as inusitadas velas de chá verde ou de folhas de tomate. Se o assunto é luxo, o endereço certo é a Avenida da Liberdade. É ali que se reúnem grifes internacionais como Vuitton, Zegna, D&G, além de boa parte das marcas portuguesas mais badaladas, como a Lanidor, que abriu sua flagship store (carro-chefe da marca), no número 177. A loja merece ser visitada, não só pelas tendências fashion, mas também para se fazer uma pausa e almoçar ou beliscar alguns sandes (sanduíches) no LA Café, localizado no andar de cima. A partir das cinco, o ambiente, chique e cosmopolita, se transforma em um tea room, com direito a macarons e outros itens de confeitaria.
Portugueses têm uma relação intensa de amor com a comida, tradicionalmente servida em porções fartas.
E já que os day spas se tornaram uma febre em Lisboa, a Lanidor também abriga um deles, criado em parceria com a Shiseido. Falando sobre moda portuguesa, anote os nomes dos estilistas mais festejados do momento: Fatima Lopes, Aleksandar Protic e José Antonio Tenente.
Muitos portugueses ainda resistem em aceitar o que chamam de “comida de plástico”, como se referem à gastronomia contemporânea. Força da tradição. Porque se depender de qualidade e talento, os novos restaurantes da cidade vão muito bem, obrigado. No alto do Parque Eduardo VII, o Eleven é o único a ostentar uma estrela no Guia Michelin. No comando, o chef alemão Joachim Koerperassina pratos sofisticados e impecáveis. Qualquer escolha é certa, mas o menu-degustação é, sem dúvida, a melhor forma de se apreciar – e reverenciar – as criações de Koerper. O ambiente contribui: de uma parede envidraçada, se pode observar, com generosidade, a capital portuguesa que, vista dali, parece mais cosmopolita do que em qualquer outro lugar. Nessa sequência de descobertas pela capital portuguesa, os arredores não são mero enfeite. Vinte minutos de carro – ou meia hora de trem – separam Lisboa da Costa do Estoril. E se a intenção é quebrar os estereótipos, prepare-se para descobrir que Portugal tem praias admiráveis e, sim, muito convidativas.
Cascais é uma dessas cidades que relaxam, só de olhar. Palácios antigos, casas brancas, mar azul intenso, clima ameno e gente bonita que parece viver a cidade intensamente. A região também concentra dois restaurantes estrelados pelo Michelin (Fortaleza do Guincho e Porto de Santa Maria, em Cascais), além de vários hotéis luxuosos. Um deles, o Grande Real Villa Itália, em Cascais, foi construído debruçado sobre o mar, aproveitando-se um antigo palácio italiano que já foi a residência do rei Humberto II, da Itália. Boa parte do mármore original foi preservada. Luxo, detalhes, alta gastronomia e um spa opulento fazem do hotel, inaugurado em 2007, um dos mais disputados da região.
“Devaneio entre Cascais e Lisboa. Fui pagar a Cascais uma contribuição do patrão Vasques, de uma casa que tem no Estoril. Gozei antecipadamente o prazer de ir, uma hora para lá, uma hora para cá, vendo os aspectos sempre vários do grande rio e da sua foz atlântica. Na verdade, ao ir, perdi-me em meditações abstratas, vendo sem ver as paisagens aquáticas que me alegrava ir ver, e ao voltar perdi-me na fixação destas sensações”. Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
Matéria publicada na revista SÃO JOSÉ POLO em abril de 2008.
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