Participei na última semana de uma degustação virtual organizada pela Enocultura e pelo ProChile. O tema, Vale do Itata. Embora seja a região vinícola da moda entre o pessoal do mundo do vinho, em termos gerais a região é ainda pouco difundida. O que não significa que sua produção seja recente. Pelo contrário.
O Vale do Itata é considerado o berço dos vinhos chilenos, onde estão as vinhas mais antigas do país: as primeiras da região foram plantadas pelos espanhóis por volta de 1550. Durante o período colonial, foi a área vinícola mais famosa do Chile e produziu a maior parte dos vinhos chilenos até o início do século 19, quando começou a perder mercado para as vinícolas do Vale Central. Na década de 1930, a crise foi ainda pior e a região meio que caiu em esquecimento.
Mas o fato é que de uns anos pra cá a produção do Vale do Itata vive um período de redescoberta, com novos rótulos, produtores e estilos.
Uma senhora redescoberta, diga-se.
Vinhos chilenos: Vale do Itata é a região da vez
HOLOFOTES
Para contextualizar por alto, basta dizer que os vinhos do Vale do Itata foram os chilenos com melhor colocação no Decanter World Wine Awards (DWWA) 2021. E não costumo destacar concursos de vinhos, mas este é, de fato, relevante.
Um dos rótulos – Cinsault-País-Carignan 2019 Viña La Causa, produzido pela Miguel Torres – alcançou a classificação “Best in Show”, a mais alta distinção concedida no concurso.
A Miguel Torres, aliás, é uma das exceções dentro do perfil rural da região, já que ali predominam os pequenos produtores. Sediada no Vale de Curicó, a gigante vinícola adquiriu recentemente uma propriedade de cerca de 230 hectares próxima à cidade de Chillán, à beira do rio Ñuble, para o plantio de variedades tintas.
Outros grandes nomes da vitivinicultura chilena seguiram o mesmo caminho, caso da Viña Montes.
Hoje é possível traçar um panorama bem interessante sobre o potencial do terroir dessa área. Não há dúvida de que no Vale do Itata são produzidos atualmente os vinhos mais ousados do país.
Vinhos chilenos: Vale do Itata é a região da vez
LOCALIZAÇÃO
Quem observa o mapa chileno de regiões vinícolas percebe que o país está organizado por vales. Ainda que nem todos estejam próximos a um rio.
No caso do Vale do Itata, a região é desenhada pelo curso dos rios Itata e Ñuble. O solo é vulcânico e o clima, úmido mediterrâneo, com boa amplitude térmica e temperatura média anual de 17ºC. As chuvas se concentram no inverno e permitem o cultivo das vinhas sem irrigação.
O Vale do Itata já pertenceu à região do Bío Bío. Mas foi separado no início dos anos 1990, com a reformulação das denominações de origem chilenas.
É a área vitivinícola mais extensa do sul do país: estende-se por quase 100 quilômetros, entre as cidades de San Carlos e Bulnes, na província de Ñuble.
Vinhos chilenos: Vale do Itata é a região da vez
FATOS
Peculiaridades não faltam a essa região vitivinícola. Uma das principais é o fato de os vinhedos locais não serem dominados por castas nobres francesas.
País e Moscatel de Alexandria são as variedades mais cultivadas, seguidas pela Cinsault
A Cinsault, aliás, é conhecida como Cargadora no Itata e vem gerando rótulos de grande tipicidade.
Outro diferencial é o perfil dos vinhateiros. As grandes vinícolas são ressalvas como já citei no início deste post. A maior parte dos quase 5 mil produtores é formada por pequenas estruturas familiares, muitas delas trabalhando em parcelas minúsculas não irrigadas.
É interessante observar como a produção local segue em direção diferente à da viticultura desenvolvida nas regiões centrais do Chile. Em geral, a grande indústria vinícola chilena tem caráter tecnológico e exportador – o país é o quarto maior exportador mundial, atrás de França, Espanha e Itália, e mantém o Brasil como seu principal mercado em volume (em valor é a China).
Elaborados sobretudo com variedades nobres francesas muito bem adaptadas ao terroir do país andino, os vinhos chilenos mais comerciais são potentes e frutados – grosso modo, sem muita identidade, o contrário dos vinhos produzidos na região do Itata.
Algumas curiosidades:
- O tamanho médio dos vinhedos é de 2 hectares.
- Muitos Master of Wine e Master Sommelier são apaixonados pela região e por seus vinhos que fogem da obviedade
- O Vale do Itata está dividido em 4 subregiões: Portezuelo e Coelemu (as mais ocidentais, classificadas na área Costal), Chillan e Quillon (mais orientais, na zona Entre Cordilheiras)
- Hoje a região está na moda, mas é apontada também como o futuro do vinho chileno (e merece um outro post a questão da migração de produtores para o sul em função do aquecimento global).
Vinhos chilenos: Vale do Itata é a região da vez
A DEGUSTAÇÃO
Assim como aconteceu em todos os setores, o período de distanciamento social imposto pela pandemia de Covid-19 exigiu adaptações também no mundo do vinho. E isso, claro, inclui as degustações. O único caminho viável para mantê-las sem risco aos participantes foi convertê-las a encontros virtuais.
E nessa levada, há quem veja o formato como um mal necessário e há quem curta.
Eu gosto bastante.
Fico mais à vontade para degustar e fazer anotações, sem perder a oportunidade de dialogar com os outros participantes e condutores do evento.
Vinhos chilenos: Vale do Itata é a região da vez
NA PRÁTICA
A degustação estava marcada para às 19h. O kit de vinhos foi entregue por volta das 15h, com um folder explicando sobre a região, características de cada rótulo e perfil de seus produtores, que participaram do encontro.
Os rótulos:
- Viñas Inéditas (Terroir Sonoro) – Cerruco 2019
- Pandolfi Price – Larkün Chardonnay 2017
- Riveras del Chillán – Vista Bella Escogido Sémillon 2020
- Vinícola Männle – Cinsault Tinto 2019
- Inéditas (Terroir Sonoro) – NiTanto 2017
- Pandolfi Price – Larkün Pinot Noir 2017
- Riveras del Chillán – Merlot 2019
- Vinícola Männle – Malbec 2019
Deu tempo de fotografá-los, refrescá-los e organizá-los até o início do evento, que se estendeu por pouco mais de duas horas.
Vinhos chilenos: Vale do Itata é a região da vez
O PERFIL
No geral, os vinhos chilenos do Vale do Itata são cativantes, com evidente pureza e frescor. Vários deles se mostram ideais para apreciar em dias quentes. São vivos, com toques herbáceos e amargor sutil que alavanca a acidez.
Na taça, acontece uma combinação de estilos leves com o patrimônio da vinicultura chilena.
Foi bom para aprofundar a compreensão sobre as preciosidades que são as vinhas velhas do Itata, e as outras que ainda estão escondidas pelo mundo.
Latest posts by Luciana Lancellotti (see all)
- Tenuta Il Palagio: os vinhos produzidos por Sting na Toscana - 2 de outubro de 2021
- A famosa receita do espaguete ao pesto de salsa de Sophia Loren - 20 de setembro de 2021
- Uruguai: 8 experiências com vinhos na região de Montevidéu - 17 de setembro de 2021