Copenhague, Dinamarca. Chego à chamada porta de entrada para a Escandinávia com um objetivo: entrevistar René Redzepi, chef do NOMA, considerado o melhor restaurante do mundo. Tenho, ainda, um dia antes da entrevista para entrar no espírito local.
Do carro, acompanhando o ritmo das bicicletas que cortam as ruas, não consigo evitar um sorriso ao observar as fachadas dos prédios. Não vamos esquecer que este país é referência internacional quando o assunto é design. Em contrapartida, a arquitetura da cidade é dominada por edifícios baixos e antigos, revestidos por tijolinhos coloridos, com telhados de formas pontiagudas.
Desvendar essas ruas – de preferência explorando os 300 quilômetros das excelentes ciclovias locais – é como voltar a ser criança e passear por uma cidade de brinquedo. Não foi à toa que um dinamarquês, Ole Kirk Christiansen, inventou o LEGO. Sobra inspiração por aqui. Na mesma atmosfera, outro habitante ilustre, Hans Christian Andersen, criou contos que atravessaram fronteiras, como o Patinho Feio, A Pequena Sereia e Soldadinho de Chumbo.
É nesse cenário, perfeitamente situado entre a vanguarda do design e a magia das histórias infantis, que fica o NOMA, o grande representante da nova cozinha nórdica. A localização é privilegiada: precisamente à beira do belo canal de Nyhavn, antigo porto da capital dinamarquesa, onde a movimentação de barcos é intensa e deliciosa de se observar. A área, no bairro de Christianshavn, tem grande oferta de restaurantes e cafés, instalados em antigos armazéns revitalizados.
Desde 2010, o NOMA vem garantindo de forma ininterrupta o topo no ranking dos melhores restaurantes do mundo, publicado anualmente pela britânica Restaurant Magazine (atualização: em 2013 o Celler de Can Roca, em Girona, conquistou o topo da lista e o NOMA passou a ocupar o segundo lugar). Com sua forma inventiva de abrilhantar produtos locais, o jovem chef René Redzepi elevou a Dinamarca – lugar pouco fértil na diversidade de ingredientes – ao status de meca da gastronomia mundial.
Chego ao restaurante às 10h da manhã, em uma quinta-feira ensolarada, com céu azul e vento frio. A movimentação de cozinheiros e atendentes já é intensa, mas o silêncio, apesar do vaivém constante, impressiona. Tudo parece correr em um ritmo de marcações precisas, como um aquecimento para os doces acordes que vão ressoar à mesa, dentro de poucas horas.
Um dos funcionários me pede para aguardar e aproveito para registrar algumas fotos do ambiente, onde predominam madeira, vigas, peles e velas já acesas, traduzindo o minimalismo nórdico que, sem fazer qualquer esforço, exala elegância. Tento tomar nota de todos os detalhes. O fato de estar aqui é resultado de uma negociação que se estendeu por três meses – é preciso aproveitar cada minuto, absorvendo o máximo possível de informações.
Quando me viro para mais um clique, lá está “o cara”, ao meu lado, sorrindo e estendendo a mão para mim.
– Hi, I’m René Redzepi!
OK, nem precisava se apresentar… Essa primeira impressão foi um sinal de que a conquista da alta posição no cenário gastronômico internacional não lhe subiu à cabeça. Sento-me com René e passamos uma hora conversando sobre rotina, gastronomia, grandes chefs, música, curiosidades… Até que ele interrompe a entrevista para fazer a reunião diária com a equipe: quase 30 pessoas vindas dos quatro cantos do mundo se concentram no salão do restaurante. Nessa Torre de Babel, o idioma oficial é o inglês.
Mesa por mesa, Redzepi anuncia, nominalmente, cada um dos comensais do próximo almoço, com o respectivo país de origem. Rússia, França, Estados Unidos… Chega a vez do meu nome:
– Ms. Lancellotti é a crítica de restaurantes da revista Playboy, no Brasil. Vai almoçar aqui e passar o dia com a gente.
Está estampada na expressão dos funcionários a satisfação por terem conseguido chegar até aqui, sentimento igualmente proporcional à responsabilidade pelo mesmo feito.
A reunião dura, em média, meia hora. O chef, então, me leva para conhecer o backstage do restaurante e brinca com alguns funcionários pelo caminho. Da mesma forma que a capital dinamarquesa é um misto perfeito do antigo com o novo, a atmosfera no NOMA combina harmoniosamente seriedade e descontração. Em uma das seções de trabalho, me apresenta a dois cozinheiros italianos. E cochicha pra mim: “um é do norte, outro do sul. Acredite, eles não se falam.” Dou risada. Ele, enfático, reitera, sério: “Não se falam mesmo”. Retiro meu sorriso.
Com o almoço se aproximando, separo-me de René e me encaminho para a mesa. Ao longo de quatro horas, 22 pratos sintetizaram o melhor da alta gastronomia nórdica, rendendo uma bela matéria para a revista Playboy (leia aqui) e outra para Veja Luxo (aqui).
Ao fim do almoço, René me convida para conhecer um parque próximo, um de seus refúgios favoritos na cidade: a vasta área de vegetação que cerca a região de Christiania, a “Cidade Livre”, conhecida pelo polêmico modelo de autogestão de seus cerca de mil moradores. Eles estão divididos entre representantes da cultura hippie, ativistas e imigrantes, com direito a alguns mochileiros de passagem.
Quando chegamos ao parque, ele diz:
– Veja que cidade fantástica, podemos sair do centro urbano e, em dez minutos, estamos nesse lugar quase rural.
Sim, Redzepi é um apaixonado pela cidade natal. Digo a ele que já está na hora de conhecer o Brasil. O chef interrompe o ritmo da caminhada:
– Estou maluco para ir até lá. Cada vez que ouço Alex Atala pronunciar aqueles nomes fantásticos dos ingredientes, não me conformo de ainda não ter visitado o seu país.
– Mas e por que você não vai?
– E você acha que vou me contentar em ficar três ou quatro dias? Quero pelo menos duas semanas e isso é impossível hoje.
Nós continuamos a conversar sobre os ingredientes brasileiros, entre eles a priprioca, raiz amazônica originalmente utilizada na perfumaria, cujas propriedades gastronômicas vêm sendo difundidas mundo afora por Alex Atala. Pronto. Durante toda a tarde, René brinca continuamente, tentando pronunciar com forte sotaque:
– Priprióóóócaaaaa, priprióóóca.
Às vezes ele para e arranca alguma plantinha ou flor… E justifica:
– Neste lugar, tudo é fonte de inspiração para o próximo prato.
Já perto das cinco da tarde, é hora de retornar ao NOMA – o serviço do jantar começa às seis. No carro, o equipamento fotográfico e outras bugigangas se acumulam na parte de trás. Sem hesitar, René senta-se ali mesmo. A conversa continua e, ao observá-lo naquela situação, de forma tão descontraída, peço permissão para fotografá-lo. Ele dá de ombros e sorri:
– Vá em frente.
E continua sereno, com olhar meio vago. Para não correr o risco de perder a foto, tento ser rápida e registro a cena inusitada: lá estava, na parte de trás do mesmo carro que eu, o chef à frente do melhor restaurante do mundo, mostrando que para estar no topo é preciso manter os pés no chão.
NOMA
Strandgade, 93, Copenhague
tel. (00) 45/3296-3297
www.noma.dk
Reservas : booking@noma.dk
Fotos: Luciana Lancellotti
APROVEITE COPENHAGUE
Kødbyens Fiskebar
O restaurante favorito de René Redzepi na cidade (depois do NOMA, claro) é o Kødbyens Fiskebar, um fish bar com pescados e frutos do mar fresquíssimos, servidos em ambiente despojado com ares industriais. A frequência, jovem e bonita, e o serviço, amigável, dão um tom cool à atmosfera local. Escolha uma mesa ou um lugar no bar para apreciar pratos informais, saudáveis e deliciosos, à base de peixes e vegetais da região. O destaque do espaço é um grande aquário com água do mar.
Aliás, dedique boa atenção a essa área onde fica o Kødbyens Fiskebar: o Meatpacking District, na região do Vesterbro, é um antigo bairro operário, antes marginalizado, que vem sendo revitalizado a ponto de figurar atualmente entre os lugares mais descolados da cidade. Restaurantes, cafés, casas noturnas, galerias, lojas e hotéis vêm se concentrando por aqui, atraindo público antenado e bonito. As principais vias são a Vesterbrogade e a Istedgade. A foto acima é do Kødbyens Mad & Marked, mercado de rua que funciona aos sábados e domingos. Aproveite para conhecer, também em Vestebro, a fábrica-museu da icônica cervejaria Carlsberg.
Royal Smushi Cafe
O Royal Smushi Café está localizado na Amagertorv, “o centro do Universo” – de acordo com o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard. Esse café já foi descrito por muitas publicações internacionais como saído de um conto de fadas. Aqui é vendida uma boa variedade de bolos e tortas, mas a vedete local é o smørrebrød, o sanduíche aberto dinamarquês, que ganha uma versão original, chamada de smushi.
Europa 1989
Logo em frente ao Royal Café, o Europa 1989 é um lugar charmoso e histórico, com mesinhas na calçada, ao estilo de um bom café parisiense. Peça o Fish Plate, um pout-pourri com salmão defumado, aspargos frescos, pasta de lumpo, blinis delicados com mousse de atum e ervas frescas, um coquetel de camarões com mangas e queijos com damasco. Pães rústicos, um branco, outro escuro, rico em cereais, completam o prato. Aproveite para esticar pela Strøget, a maior rua de pedestres do mundo, com 1,1 km de extensão (assista aqui ao vídeo que fiz), onde não faltam boutiques e lojas de departamento com marcas dinamarquesas e internacionais, além de cafés, antiquários e galerias.
TCC
Copenhague, aliás, conta com várias cafeterias descoladas. A mais festejada delas é a The Coffee Collective, ou simplesmente TCC, que conta com três lojas na cidade. Os blends são elaborados a partir de grãos do Brasil, Etiópia, Quênia, Guatemala e Panamá, com variações que vão do espresso ao caffè latte. Dica: quem chega pela manhã consegue apreciar a torra. Obrigatório para os coffee geeks.
Summerbird
Não deixe de provar um flødebolle, o doce mais popular da cidade, algo como o macaron em Paris, o alfajor em Buenos Aires e o cupcake em Nova York. No Brasil, essa delícia feita com base de biscoito wafer, marshmellow e cobertura de chocolate ganha o nome de Nhá Benta. É possível encontrá-lo em lojas espalhadas pela capital dinamarquesa, em versões tradicionais e goumets, como as versões da Summerbird feitas com marzipan e chocolate gran cru.
Copenhague City Bike
Nesta capital adoravelmente bike-friendly, vai dar uma vontade louca de pegar a primeira bicicleta pra sair pedalando. Fácil: pelo projeto Copenhagen City Bike, ativo desde 1997 com 110 bicicletários espalhados pelo centro da cidade, basta escolher uma delas e depositar uma moeda de 20 coroas dinamarquesas no cadeado. Adivinhe: na hora de devolvê-la, você recebe o dinheiro de volta.
Caminhadas
Copenhague é ainda mais bonita quando observada de barco. Dedique uma hora para perceber novos ângulos e detalhes, partindo da região de Nyhavn. Pelo canal, é possível contemplar a beleza de lugares como os palácios Amalienborg e Christiansborg, a biblioteca Black Diamond, a nova Opera House e a inevitável Little Mermaid, escultura da Pequena Sereia. A Canaltours organiza vários tipos de passeios náuticos, entre eles o Jazz Cruise, que acontece durante o verão, com uma hora e meia de jazz executado por músicos a bordo.
Tivoli Gardens
E já que a cada esquina esta cidade traz de volta um pouco da infância, nada mais justo do que esticar até o Tivoli Gardens, parque temático mais antigo do mundo, inaugurado em 1843. O lugar inspirou inúmeros parques de diversão além-fronteiras, entre eles a Disneylândia. A quantidade de brinquedos não é imensa, mas há troca da guarda, shows diários, cervejarias, cafés e ótimos restaurantes, até mesmo estrelados pelo Michelin. Este guia, do próprio Tivoli, é bárbaro, com informações sobre todos os restaurantes locais. É lindo em qualquer época do ano, mas acredite: as noites de verão, com o parque todo iluminado, vão ficar guardadas em um lugar especial na memória.
Fotos: Visit Denmark e Reprodução (Facebook)
SERVIÇO
- Idioma Dinamarquês
- DDI (45)
- Moeda Coroa dinamarquesa
- Fuso horário 4 horas à frente do horário de Brasília
- Embaixada do Brasil Christian IX’s Gade 2, 1º andar. Tel: (45) 3920-6478. www.brazil.dk
- Sites: www.visitdenmark.com e www.visitcopenhagen.com
Agradecimentos:
Edson Aran, Jardel Sebba, Rogério Maroja e a todos os colegas da redação da revista Playboy.
Josimar Melo, amigo e um dos incentivadores desta reportagem.
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